Num período em que a crise económica e o
orçamento de Estado estão na ordem do dia, é notícia um novo conceito de
economia que tem por objectivo pôr em comum os lucros de uma empresa,
com vista a ajudar os pobres, contribuir para a difusão de uma nova
cultura e desenvolver a própria empresa.
O conceito surgiu há quase vinte
anos no Brasil, pela mão da fundadora do Movimento dos Focolares, Chiara
Lubich, numa visita à cidade de São Paulo. Confrontada com o
desequilíbrio social de uma cidade que se veste de arranha-céus e de
favelas, a fundadora deste movimento que promove a comunhão e a unidade
procurou encontrar respostas para os problemas sociais que encontrava.
Assim, tendo por base a própria experiência do movimento, e inspirada no
que é a Doutrina Social da Igreja proposta pela Encíclica do Papa João
Paulo II, Centesimus Annus, Chiara Lubich deixou aos seus membros
focolarinos um desafio: “O desafio de que as empresas que existissem ou
que se quisessem constituir pudessem operar segundo uma metodologia
própria com o objectivo de dar uma utilização tripla aos seus lucros”,
como explica à VOZ DA VERDADE Luís Filipe Coelho, economista português e
administrador de empresas que acompanha desde o início este sistema
económico.
De
acordo com a ideia original, os lucros ganhos numa empresa aderente à
Economia de Comunhão na Liberdade (EdC) são repartidos por três
finalidades: o investimento e desenvolvimento da própria empresa para
que esta continue a gerar emprego, a ajuda aos mais pobres e a formação
de pessoas capazes de agir segundo aquilo a que no Movimento dos
Focolares chamam de «cultura do dar», que nos dias de hoje “é a oposição
ao consumismo que marca a sociedade”, referiu aquele economista.
No que
se refere à finalidade da ajuda àqueles que mais necessitam, Luís Filipe
Coelho faz questão de relevar o facto de que não se trata de uma
“lógica assistencialista mas segundo a perspectiva de ajudar a sair das
circunstâncias em que as pessoas se encontram, envolvendo-as num
processo de partilha”. Assim, “a ideia central deste projecto está
naquilo que é o destino a dar aos lucros” de uma empresa, reforça.
Gerir uma empresa centrando-se na pessoa
De
acordo com as linhas operativas para a condução de uma empresa segundo a
EdC, “os empresários que aderem formulam estratégias, objectivos e
planos empresariais, tendo em conta os critérios típicos de uma correcta
gestão e envolvendo nesta actividade os membros da equipa. Tomam
decisões de investimento com prudência, mas com particular atenção à
criação de novas actividades e postos de trabalho produtivos”. Por outro
lado, ainda, “os responsáveis da empresa procuram utilizar, o melhor
possível, os talentos de cada trabalhador, favorecendo a sua
criatividade, a assunção de responsabilidade e a participação na
definição e realização de objectivos empresariais”, refere o documento
formulado por empresários de todos os continentes.
Para
Luís Filipe Coelho, a novidade desta forma de gerir uma empresa
encontra-se na “não centralização da actividade da empresa no objectivo
do lucro, centrando-se, por isso, na pessoa”. “Isso revoluciona todo o
‘modus operandi’ da empresa, porque centra-se no lado humano que pode
ser o colaborador da empresa, o fornecedor ou o cliente. E essa é a
verdadeira chave do projecto”, acentua.
Apontando
experiências já feitas e consolidadas destas empresas, o economista
refere ao nosso jornal que a forma como se cuida destes vários aspectos
gerou um “forte envolvimento dos próprios trabalhadores e adesão ao
próprio modelo fazendo-se sentir na sua produtividade, criatividade e
reforçando a própria motivação”.
Primeiro pólo empresarial vai ser inaugurado em Portugal
Actualmente
existem no mundo cerca de 800 empresas que seguem esta linha de gestão
empresarial. Mais de 200 encontram-se na América do Sul, 300 na Europa e
outras ainda na América do Norte, Ásia, África e Austrália operando,
assim, em diversos sectores económicos. Em Portugal já há vários anos
que existem empresas que seguem esta mesma cultura ‘do dar’. Ao todo são
doze e como forma de mostrar uma economia centralizada na comunhão, não
só teoricamente mas também no estilo de vida dos intervenientes, vai
ser inaugurado no próximo sábado, dia 6 de Novembro, o primeiro Pólo
empresarial EdC em Portugal. Localizado em Abrigada, no concelho de
Alenquer, este é um projecto que teve início no ano 2000 com a aquisição
de um terreno adjacente à Cidadela do Movimento dos Focolares. Em 2004
iniciou-se a construção do edifício, e em 2005 abriu naquele lugar um
Centro de Recursos e Reabilitação Física, financiado durante dois anos
pela Segurança Social e pelo Ministério da Saúde com o Programa de apoio
integrado a idosos e/ou dependentes (PAII).
Em 2008
instala-se naquele pólo a primeira empresa EdC, e dois anos mais tarde
chegam outras duas empresas que permitem, deste modo, a inauguração
daquele espaço. Segundo Luís Filipe Coelho, o pólo empresarial tem a
vantagem de possibilitar maior proximidade a um conjunto de empresas que
opera com estas linhas de orientação. “Tem aquilo que são as sinergias
operacionais e motivacionais. Conjuntamente – justifica – as empresas
ajudam-se pela partilha de experiências. O que é um elemento de coesão e
promove o desenvolvimento”.
Mas se
neste pólo se concentram apenas algumas das doze empresas EdC a operar
em Portugal, tal “não significa que as restantes sejam excluídas”,
alerta o administrador. Porque os pólos “funcionam como ponto de ligação
e de referência para as outras empresas que abraçaram este projecto”.
Teoria económica em estudo
O tema
da Economia de Comunhão, talvez pelo que traz de novidade ou até mesmo
de ousadia tem sido objecto de estudos académicos, dando origem a teses
de licenciatura, mestrados e até mesmo doutoramentos, em diversas partes
do mundo. O projecto idealizado por Chiara Lubich tem vindo a ser posto
em prática, e a experiência realizada tem proporcionado, também, uma
reflexão teórica. O professor Luigino Bruni, que vem a Portugal na
próxima semana apresentar um livro sobre esta temática (ver caixa), tem
vindo a estudar esta matéria, em articulação com outros professores, “à
luz da experiência feita pelos empresários”, explica. Luís Filipe
Coelho.
Um desafio na actualidade
Diante
da actual crise económica que o nosso país atravessa a EdC pode
encontrar espaço para um maior desenvolvimento. “Parece não haver espaço
para esta economia mas tem de haver!”, reforça Luís Filipe. “Num
contexto de crise internacional como este em que vivemos está
subjacente, certamente, algum esgotamento do modelo em que a nossa
sociedade e a economia estão baseados”, aponta. Por isso, considera que
“deve haver espaço para esta economia porque essa será, seguramente, um
entre muitos outros sinais de esperança relativamente ao futuro”. A EdC,
“poderá vir a trazer alterações profundas na economia, embora isso seja
um processo lento, uma revolução silenciosa”.
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Uma experiência concreta em Portugal
António Faria Lopes é sócio
de uma empresa em Leiria que produz formas de plástico para calçado e
desde há vários anos aderiu a este projecto que considera não ser “um
toque de magia”, porque “há imensas dificuldades, quase desilusões e
cansaço”, testemunha. “Aí somos todos iguais. Porém há uma grande
certeza: as soluções surgem sempre e, arrisco afirmar porque essa é a
nossa experiência, surpreendem sempre de forma positiva”. A empresa que
António Faria Lopes gere “é resultado de um enorme esforço da sua
administração e dos seus colaboradores a fim de continuar a ser um local
onde se respire liberdade, criatividade, paz, trabalho, solidariedade,
isto é, uma nova cultura”, afirma.
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Luigino Bruni apresenta livro em português
‘A
ferida do outro’ é o título do livro de Luigino Bruni, economista
italiano e docente de Economia Política na Universidade Bicocca de Milão
que vai ser apresentado na próxima quarta-feira, 3 de Novembro, pelas
18h30, na Universidade Católica, em Lisboa.
A obra
publicada em italiano em 2007 vê agora a tradução em língua portuguesa,
com a chancela da Editora Cidade Nova, que o próprio autor vai
apresentar. Aqui deixamos uma amostra da introdução pelo autor: «Imaginem...
uma cidade sem prédios barulhentos nem bairros conflituosos, onde cada
família tem a sua própria moradia isolada acusticamente, e protegida da
vista dos outros, para que nenhum vizinho a possa incomodar. Onde os
poucos arranha-céus existentes foram construídos de modo a evitar
qualquer encontro nas escadas ou nos patamares. (…) Onde os meios de
comunicação se tornaram tão sofisticados e interactivos que nos fazem
sentir, durante todo o dia, que estamos na companhia de muitos, mesmo se
passamos cada vez mais horas sozinhos em frente do computador e da
televisão. (…) Gostariam de viver numa cidade assim? Espero que
sim, porque este cenário estilizado aproxima-se muito da realidade que
está a surgir nas cidades que actualmente se imaginam e projectam nas
nossas sociedades de mercado. (…) Este livro pretende oferecer algumas
explicações sobre a razão pela qual está a surgir um tal cenário e,
talvez, dar algumas pistas de reflexão àqueles que (como eu) estão muito
preocupados com essa perspectiva. (…)»
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Para saber mais sobre a Economia de Comunhão em Portugal: http://alturl.com/32kkw
Nuno Rosário Fernandes
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